São Luís e seu papel na Codificação Espírita
Rafael Voigt Leandro*
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Resumo
O Espírito São Luís desempenhou importante papel na Codificação Espírita. Como presidente espiritual da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, também conhecida como Sociedade Espírita de Paris, auxiliou de perto os trabalhos desenvolvidos por Allan Kardec e pelos demais membros daquela Sociedade. Sua presença nas obras básicas e na Revista Espírita (1858 a 1869) indica atributos fundamentais desse Espírito na relevante missão exercida para a chegada do Consolador prometido pelo Cristo.
Palavras-chave
Espírito São Luís; guia espiritual; Codificação Espírita.
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“[…] Aproximai-vos do momento em que se dará a transformação da Humanidade, transformação que foi predita e cuja chegada é acelerada por todos os homens que auxiliam o progresso […].¹
Essas são palavras do Espírito São Luís, uma das Vozes do Céu que participaram ativamente do processo de codificação da Doutrina Espírita. Sua atuação destacada encontra-se registrada, direta ou indiretamente, nas obras básicas e na Revista Espírita, publicada por Allan Kardec de janeiro de 1858 a abril de 1869.
Nas páginas da Revista Espírita, em particular, observa-se a constante presença de São Luís, por meio de numerosas mensagens e respostas a questões diversas, muitas das quais posteriormente figurariam em obras do pentateuco espírita. Esse farto material da Revista Espírita ajuda a estabelecer uma linha do tempo da nobre missão de São Luís ao lado do Codificador Allan Kardec.
Seria possível inventariar, em ordem cronológica, todas as mensagens assinadas por esse Espírito ou as menções a ele nessa bibliografia de base. Con tudo, o propósito do presente artigo não comporta essa catalogação exaustiva, que poderá futuramente ser objeto de um trabalho apartado.
O que ora interessa é observar, por meio de algumas das comunicações de São Luís, além de outras evidências, colhidas na Revista Espírita e nas demais obras kardequianas, como se desvelam o perfil e os atributos desse guia espiritual ao exercer papel destacado na Codificação e ao auxiliar de perto os trabalhos do Codificador.
Em linhas rápidas, sabe-se que a Entidade denominada São Luís corresponde à figura do rei francês Luís IX (1214–1270). Durante o seu reinado, cultivou com ardor a fé cristã, demonstrando profundo devotamento pelo culto da Igreja Católica. Patrocinou a sétima e a oitava Cruzadas, tendo falecido nesta última. Foi em seu período de realeza que a cidade de Paris cresceu em prestígio como centro irradiador do Cristianismo. A famosa igreja Sainte-Chapelle, de majestosos vitrais, foi erigida por sua iniciativa. A fundação da prestigiosa Universidade de Sorbonne ocorreu, igualmente, no transcurso de seu período régio, por volta de 1257.
Foi canonizado pelo papa Bonifácio VIII em 1297.² É fundamental esse breve sumário biográfico, a fim de realçar como, ao longo de seu reinado, o Cristianismo se fortaleceu na cidade de Paris. Destacar esse fato permite ao leitor perceber a ligação histórica de São Luís com essa cidade que, no século XIX, serviria de palco para o surgimento do Espiritismo, ou seja, para a alvorada do Cristianismo Redivivo.
As primeiras manifestações do Espírito São Luís aconteceram por volta de 1853, por intermédio de Ermance Dufaux (1839–1915)³. A jovem e notável médium foi uma das só cias fundadoras da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE – 1858). Desempenhou função de destaque nos primeiros anos da Sociedade, especialmente como intermediária de São Luís, psicografando inúmeras mensagens desse Espírito, entre as quais belíssimas dissertações morais. No segundo número da Revista Espírita, de fevereiro de 1858, consta, por exemplo, uma dissertação de São Luís a respeito da avareza. Outras se seguiriam sobre o orgulho, a preguiça, a inveja.
Por intermédio da Srta. Dufaux, São Luís ditou sua autobiografia, como anunciado por Kardec na Revista Espírita de abril de 1859, em meio ao aviso sobre as obras psicografa das por Ermance: “Lembramos aos nossos leitores que a História de Joana d’Arc está completamente esgotada; que a vida de Luís XI, bem como a de Luís IX, ainda não foram publicadas […]”⁴. Ao que se sabe, essa autobiografia de Luís IX (São Luís) jamais viria a público.
Ermance exerceu também papel relevante como medianeira de Espíritos que auxiliaram na revisão geral de O livro dos espíritos, consolidada na segunda edição da obra (1860). A jovem médium frequentou a Socieda de Parisiense com seu pai até o ano de 1859, quando se afastou da Instituição. A partir de então, o Espírito São Luís passa a transmitir suas instruções por outras fontes mediúnicas.
Para principiar a caracterização do guia espiritual São Luís, pode-se recorrer, de início, a O livro dos espíritos (1857). No entanto, importa ressalvar que a primeira edição dessa obra, com suas 501 perguntas, organizada em três partes, não trazia nominalmente a participação de São Luís⁵. A partir da segunda edição, datada do ano de 1860, considerada a definitiva e que serve para as traduções atuais, ocorre a ampliação do livro para 1.019 questões e a divisão da matéria em quatro partes. É somente então que passa a constar a assinatura de São Luís em algumas passagens e as alusões de Kardec a ele.
Além de assinar coletivamente os Prolegômenos, ao lado do Espírito de Verdade, João Evangelista, Vicente de Paulo, entre outros, aparece em algumas passagens da obra, como no comentário à questão 495 acerca de anjos guardiães, juntamente com Santo Agostinho. Reproduzimos o teor dessa pergunta que figura na segunda parte da obra, no tópico “Anjos da guarda, Es píritos protetores, familiares ou simpáticos”: O Espírito protetor abandona algumas vezes o seu protegido, quando este não lhe ouve os conselhos?⁶
Tal questão não aparecia com os mesmos termos na primeira edição de O livro dos espíritos. Na resposta, São Luís e Santo Agostinho ressaltam como é consolador saber que Deus nos concedeu um “anjo da guarda” para nos amparar a todo instante, especialmente naqueles mais turbulentos. A dupla de Espíritos insta a todos para que estreitem laços fraternos com os Espíritos guias. Na intimidade desse relacionamento com nosso mentor espiritual, é que caminhamos mais firmes para Deus.
Não se pode afirmar, de maneira categórica, que todas as respostas dadas para as perguntas desse tópico sobre Espíritos protetores, familiares ou simpáticos, sejam de São Luís e Santo Agostinho. Porém, é possível supor que esse conjunto de questões (489 a 521) seja orientado por eles.
Ainda sobre essa temática, interessa passar pela questão 519: As aglomerações de indivíduos, como as sociedades, as cidades, as nações, têm seus Espíritos protetores especiais? A resposta vem nos seguintes termos: “Sim, pois essas aglo merações são individualidades coletivas que marcham para um objetivo comum e que precisam de uma direção superior”.⁷
É bastante notório que guias espirituais como Santo Agostinho e São Luís teçam comentários acerca dessas questões relativas a Espíritos protetores e anjos guardiães. Especificamente no caso de São Luís, esse tópico ganha distinta relevância quando, na edição da Revista Espírita de dezembro de 1859⁸, na reprodução de diá logo de sessão mediúnica ocorrida em outubro daquele ano, o Espírito São Luís se autodeno mina expressamente como “presidente espiritual” da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, fundada em abril de 1858. Passa, desde então, a se apresentar sob essa designação, como o Espírito protetor e guia dessa Instituição, celeiro de parte fundamental dos trabalhos operados por Kardec e que funcionou como espécie de laboratório do intercâmbio entre os dois mundos, servindo decisivamente como núcleo de experiência para o Codificador forjar e coligir as obras de sua lavra.
Esse papel desempenhado por São Luís reforça sua importância na história do Espiritismo nascente, ao servir como guia também para os membros daquela que seria a primeira experiência mais próxima do que conhece mos hoje como “Centro Espírita”. Essa qualidade de “mentor”, “guia” ou “presidente espiritual” da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas pode servir de um indicativo de como Kardec levava, com frequência, em alta estima e consideração as respostas e as orientações transmitidas por tal Espírito.
Em sessão da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, ocorrida em 28 de dezembro de 1860, consta em ata o registro de agradecimento de Allan Kardec ao benfeitor São Luís:
“Não queremos terminar o ano sem dirigir os nossos agradecimentos aos Espíritos bons, que tiveram a bondade de nos instruir. Agradecemos principalmente a São Luís, nosso presidente espiritual, cuja proteção tem sido de tal modo evidente para a Sociedade que esta o tomou sob seu patrocínio. Assim, esperamos continuar merecendo a sua proteção, rogando-lhe que nos inspire sentimentos que nos possam tornar sempre dignos dela […]”.⁹
Interessa anotar, como se mencionou anteriormente, que a segunda e definitiva edição de O livro dos espíritos vem a lume em 1860. Ao abrir espaço notável a São Luís a partir dessa edição da primeira obra do pentateuco espírita, Allan Kardec demonstra como a in fluência benéfica e esclarecedora desse Espírito refletia a sua qualidade de mentor da Sociedade Parisiense e o modo como vinha auxiliando de for ma significativa os trabalhos de Kardec.
Não é ainda em O livro dos espíritos que se notará como o relacionamento entre Kardec e São Luís se vai estreitando não apenas com o passar do tempo, mas evidentemente por meio dos trabalhos ocorridos nas sessões da Sociedade Parisiense.
Em O livro dos médiuns (1861), no item 74 do capítulo IV – Teoria das manifestações físicas, abordam-se os movimentos e suspensões de objetos. São Luís responde a nada menos que 25 indagações de Kardec¹⁰. O Espírito encadeia seu raciocínio e muitas vezes oferece explicações para além das que constam nas perguntas, como a tocar nos pontos em que efetivamente Kardec pretendia chegar com as explicações. Como na questão 9, quando, ao iniciar a resposta, São Luís assevera: “Esta resposta ainda não te levará até onde desejas”. Isso aponta para o fato de que Kardec não apenas pergunta, mas suas formulações são capazes de fazer com o que os Espíritos caiam em contradições ou reafirmem explicações dadas. Outras tantas vezes Kardec se depara com essa correção de rumos, em que o Espírito revela sua superioridade, demonstra não somente conhecimento das questões postas, mas também das reais intenções por trás de quem formula as perguntas.
Algo semelhante ocorre no item 128 de O livro dos médiuns, quando se discorre sobre a formação de objetos tangíveis pelos Espíritos. São Luís responde a uma série de 18 questionamentos de Kardec. Na pergunta 17, o Codificador indaga se a escrita direta seria um exemplo de como os Espíritos extraem do elemento universal a matéria necessária para a produção de fenômenos raros como esse. A resposta de São Luís é simples e ao mesmo tempo surpreendente para o Codificador: “Afinal, chegaste aonde querias!” Logo em seguida, Kardec apõe, com franqueza, uma observação curiosa: “Realmente, era aí que quería mos chegar com todas as nossas questões preliminares. A resposta prova que o Espírito havia lido o nosso pensamento”.¹¹
A partir dessas orientações de São Luís, pode-se observar como seus atributos espirituais vão ganhando contornos claros, em especial quanto à sua capacidade de orientar e dirigir o curso que tomava a atuação de Kardec e dos demais membros da Sociedade de Paris.
Da biografia Allan Kardec: o educador e o codificador, de Zêus Wantuil e Francisco Thiesen, destacamos breve análise do relacionamento entre o Espírito São Luís e Allan Kardec:
[…] Os sábios conselhos desse Espírito preservaram a Sociedade de vários perigos, e sua proteção pode ser comprovada por diversas vezes. Apesar disso, Allan Kardec debatia com ele certas respostas e até mesmo discordava de outras não muito claras ou precisas, o que levava o Espírito a reescrevê-las. Essa discordância igualmente se manifestava, às vezes, com outros Espíritos não me nos elevados. Era comum São Luís fornecer explicações acerca de vários assuntos, solicitadas pelo Codificador. Este, em muitos casos, já tinha a sua opinião mais ou menos for mada, mas o Espírito São Luís, ao ser consultado, apresentava outra, mais simples e racional, que a tornava preferível […].¹²
O próprio Espírito São Luís permitia e recomendava essa conduta e prudência do Codificador no trato com os Espíritos de qualquer ordem. É o que afirma, por exemplo, em outra passagem de O livro dos médiuns:
“Qualquer que seja a confiança legítima que vos inspirem os Espíritos que presidem aos vossos trabalhos, há uma recomendação que nunca seria de mais repetir e que deveríeis ter presente sempre na vossa lembrança, quando vos entregais aos vossos estudos: é a de pesar, meditar e submeter ao controle da razão mais severa todas as comunicações que receberdes; é a de não deixardes de pedir as explicações necessárias, a fim de que possais formar uma opinião segura, toda vez que um ponto vos pareça suspeito, duvidoso ou obscuro”.¹³
De conselhos assim, Kardec tirava bom proveito, aprimorando sua capacidade de extrair a verdade sobre as questões propostas. Tais lições de São Luís para Kardec repetiram-se com diferentes palavras e em diferentes momentos, como precaução no trato à diversidade de Espíritos, entre eles mistificadores, que poderiam colocar a perigo os trabalhos e o desenvolvimento das ideias. Nesse sentido, na Revista Espírita de junho 1860, há relato significativo a respeito de Espírito enganador que teria se passado por São Luís, sem que este o tenha impedido, o que serviu ao guia espiritual para novos ensinamentos a Kardec e aos membros da Sociedade Parisiense.
Ainda em O livro dos médiuns, no capítulo XXXI – Dissertações espíritas, São Luís é o Espírito que comparece com o maior número de dissertações. Entre as 28, assina cinco mensagens. Na dissertação XIX, sublinha o caráter de sua missão:
Meus amigos e crentes fiéis, sinto-me muito feliz sempre que vos posso encaminhar para a senda do bem. É uma doce missão que Deus me dá e de que me envaideço, porque ser útil é sempre uma recompensa […].¹⁴
Em abril de 1862, desencarna Sanson, um dos membros da Sociedade Parisiense. Ao ser evocado, várias perguntas são dirigidas a ele, entre as quais uma que diz respeito à atuação de São Luís durante as sessões da referida Sociedade. Consta da edição de junho de 1862 da Revista Espírita um registro que merece nossa atenção:
Entre os Espíritos aqui presentes vedes São Luís, o nosso presidente espiritual?
Resp. – Está sempre ao vosso lado e, quando se ausenta, deixa sempre um Espírito Superior, que o substitui.¹⁵
Sobre os “substitutos” ad hoc de São Luís, há um tópico no capítulo XXIV – Identidade dos Espíritos, item 268, perguntas 7 e 8, de O livro dos médiuns, que interessa para uma análise teórica dessa situação, quando se mencionam os mandatários de Espíritos Superiores:
Quando evocados, os Espíritos Superiores vêm sempre em pessoa ou, como supõem algumas pessoas, se fazem representar por mandatários incumbidos de lhes transmitirem os pensamentos?
“Por que não virão em pessoa, se o podem? Se, entre tanto, o Espírito evocado não pode vir, o que se apresenta é forçosamente um mandatário.” Esse mandatário é sempre suficientemente esclarecido para responder como faria o Espírito que o envia?
“Os Espíritos Superiores sabem a quem confiam o encargo de os substituir. Além disso, quanto mais elevados, tanto mais os Espíritos se confundem num pensamento comum, de tal sorte que, para eles, a personalidade é coisa indiferente, como deveria ser também para vós […].¹⁶
Essas explicações corroboram situação semelhante que se encontra no capítulo 11 – O tempo e o parlatório do livro Ação e reação, pelo Espírito André Luiz, em que se toma conhecimento de que um benfeitor, como Bezerra de Menezes, nem sempre se pode fazer presente em todas as evocações dirigidas a ele, o que se soluciona por meio de representantes, espécie de prepostos, que lhe carregam o nome e suas diretrizes de atuação com extrema fidelidade.¹⁷
Da relação de Kardec com São Luís, deve-se notar, mais uma vez, como Rivail não perde a oportunidade de agradecer o auxílio prestado por São Luís. Na Revista Espírita de dezembro de 1864, aparece novamente a gratidão de Kardec ao mentor espiritual, na ata de sessão comemorativa da Socie dade Espírita de Paris. Um dos trechos reproduz nos seguintes termos o preito de gratidão prestado pelo presidente da sociedade, isto é, Allan Kardec, a seu presidente espiritual:
Devemos um particular tributo de reconhecimento ao nosso guia e presidente espiritual, que na Terra foi São Luís. Nós lhe agradecemos por ter-se dignado a tomar a nossa Sociedade sob o seu patrocínio e pelas marcas evidentes de proteção que nos tem dado. Nós lhe rogamos, igualmente, que nos assista nesta circunstância.¹⁸
Entre as participações de São Luís em O evangelho segundo o espiritismo (1864), observamos, especificamente, uma que diz respeito aos “falsos profetas”, no capítulo XXI – Haverá falsos cristos e falsos profetas, item 8, incluindo menção aos falsos profetas da Espiritualidade. Identificando-se apenas como Luís, o Espírito São Luís adverte:
É assim, meus irmãos, que deveis julgar; são as obras que deveis examinar. Se os que se dizem investidos de poder divino se fazem acompanhar de todas as marcas de semelhante missão, isto é, se possuem no mais alto grau as virtudes cristãs e eternas: a caridade, o amor, a indulgência, a bondade que concilia todos os cora ções; se, em apoio das palavras, acrescentam os atos, podereis então dizer: “Estes são realmente os enviados de Deus”.¹⁹
Dessa mensagem assinada por “Luís”, alguma controvérsia poderia se formar. Quem estaria por trás da identidade espiritual daquele que assina como “Luís”? No entanto, essa controvérsia não se sustenta e logo se esvai, para dar lugar à certe za de que “Luís” é, de fato, “São Luís”. Na Revista Espírita de setembro de 1859, Kardec apõe uma observação oportuna: “Geralmente os Espíritos considerados pelos homens como santos não se prevalecem dessa qualidade; assim, São Vicente de Paulo assina simplesmente Vicente de Paulo; São Luís assina Luís”. Na mesma revista, em setembro de 1860, o guia espiritual apresenta-se apenas como “Luís” em mensagem de agradecimento aos membros da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas²⁰.
Apenas a título ilustrativo e de forma comparativa, pode-se exemplificar outro caso semelhante presente em O evangelho segundo o espiritismo, em que o Espírito Santo Agostinho assina apenas como “Agostinho” a mensagem sobre o tópico “O duelo”, item 15, no capítulo XII – Amai os vossos inimigos.
Ainda sobre essa mensagem de “Luís” em O evangelho segundo o espiritismo outros dois detalhes merecem esclarecimentos. Primeiro, a mensagem ocorreu na cidade de Bordeaux, ou seja, longe da sede da Sociedade Parisiense, sobre a qual certa feita afirmara São Luís: “[…]
Pouco me comunico fora da Sociedade, que tomei sob meu patrocínio; aprecio esses lugares de reunião, que me são especialmente consagrados, mas é somente aqui que gosto de dar avisos e conselhos […]”.²¹
Por essa comunicação, São Luís não exclui a possibilidade de se manifestar em outros lugares além da Sociedade Parisiense. O segundo detalhe é o ano da mensagem: 1861. Não há menção ao mês. Sabe-se, pela Revista Espírita do mesmo ano, que Kardec esteve em Bordeaux em outubro, visitando a socieda de espírita recém-fundada naquela localidade²².
Em O céu e o inferno (1865)²³, notamos, igualmente, participações recorrentes do Espírito São Luís. Todas elas em comentários e respostas presentes na segunda parte da obra. Como se sabe, a segunda parte de O céu e o inferno apresenta exemplos do estado em que se encontram diferentes categorias de Espíritos após a desencarnação. Essa parte da obra é composta de oito capítulos, porém o primeiro serve como introdução e estampa uma dissertação de Kardec intitulada A passagem. Nos capítulos subsequentes, encontram-se as comunicações de acordo com as seguintes categorias: Espíritos felizes (cap. II), Espíritos em condições medianas (cap. III), Espíritos sofre dores (cap. IV), Suicidas (cap. V), Criminosos arrependidos (cap. VI), Espíritos endurecidos (cap. VII) e Expiações terrestres (cap. VIII). Em todos esses capítulos, consta ao menos uma participação efetiva de São Luís, seja em meio ao diálogo com o Espírito comunicante, seja por meio de comentários ou respostas a questionamentos de Allan Kardec. Sobre o testemunho desses Espíritos, São Luís complementa informações e acrescenta comentários que ajudam a dar ideia mais exata de algumas particularidades dos comunicantes.
A cuidadosa e acendrada participação de São Luís em O céu e o inferno mostra-se natural e evidente em razão da quantidade de comunicações provindas de sessões realizadas na própria Sociedade de Paris, fato este que demonstra como dirigia os trabalhos e, sob essa direção, os Espíritos se apresentavam aos médiuns e demais membros da Sociedade Parisiense. São Luís não aparece mencionado na primeira parte de O céu e o inferno; pelo menos não nominalmente.
Alguns meses após o lançamento de O céu e o inferno, São Luís tece comentário sobre a “Mediunidade mental” na edição da Revista Espírita de março de 1866, em que, por mais uma vez, ressalta sua qualidade de presidente espiritual da Sociedade de Paris, evidenciando como vela por seus membros:
Como Presidente Espiritual da Sociedade de Paris, velo por ela e por cada um de seus membros em particular, rogando ao Senhor que espalhe sobre vós todas as suas graças e as suas bênçãos.²⁴
Das obras básicas, a única em que São Luís não aparece de maneira direta é A gênese (1868). Um mês depois do lançamento do livro, São Luís expressa suas considerações sobre a nova obra, mas revela em suas palavras uma percepção que só poderia ser de um Espírito com predicados compatíveis com a de um guia espiritual dotado de alta missão, como era a que desempenhava à frente dos trabalhos da Sociedade de Paris, celeiro da doutrina nascente. Allan Kardec compartilha as impressões de São Luís na Revista Espírita de fevereiro de 1868, da qual se extrai o excerto a seguir:
Esta obra vem na hora certa, na medida em que a doutrina está hoje bem estabelecida do ponto de vista moral e religioso. […]
O que importava satisfazer antes de tudo, eram as aspirações da alma; era suprir o vazio deixado pela dúvida nas almas vacilantes em sua fé. Esta primeira missão hoje está cumprida. O Espiritismo entra atualmente em uma nova fase; ao atributo de consolador, alia o de instrutor e diretor do espírito, em ciência e em filosofia, como em moralidade. A caridade, sua base inabalável, dele fez o laço das almas ternas; a Ciência, a solidariedade, a progressão, o espírito liberal dele farão o traço de união das almas fortes […].²⁵
Por todas as considerações alinhavadas anteriormente, sobram evidências de que o Espírito São Luís reúne caracteres de benfeitor espiritual em missão das mais nobres: a de trabalhar em prol da chegada e consolidação do Consolador prometido pelo Cristo. Seja como uma das Vozes do Céu, seja como “presidente espiritual” da Sociedade Parisiense, permanece ao lado de Kardec, auxiliando e inspirando o Codificador nos trabalhos desenvolvidos ao longo de mais de quinze anos ininterruptos, período em que a Doutrina Espírita vem a lume por meio das obras básicas e pelas páginas da Revista Espírita.
Decerto, pela escala espírita proposta por Kardec em O livro dos espíritos, é possível situar São Luís entre os Espíritos Superiores. Pelos traços e mensagens de São Luís, podemos afiançar que está em consonância com a descrição de Kardec na conhecida “Escala espírita”, na categoria e na ordem de Espíritos Superiores:
Reúnem em si a ciência, a sabedoria e a bondade. Sua linguagem, que só transpira benevolência, é constantemente digna, elevada e, muitas vezes, sublime. Sua superioridade os torna mais aptos do que os outros a nos darem as mais justas noções sobre as coisas do mundo incorpóreo, dentro dos limites do que é permitido ao homem saber. Comunicam-se de bom grado com os que procuram de boa-fé a verdade e cuja alma já está bastante desprendida dos laços terrenos para compreendê-la, mas se afastam dos que são movidos apenas pela curiosidade ou que são desviados da prática do bem pela influência da matéria.²⁶
Pelas páginas das obras da Codificação, em espectro amplo de temas – de anjos da guarda ao fenômeno da escrita direta, da necessidade da encarnação à eutanásia, dos falsos profetas à formação de objetos tangíveis pelos Espíritos –, assim como nas orientações prestadas ao Codificador, o Espírito São Luís revela as qualidades de verdadeiro missionário da Espiritualidade, com a missão de trabalhar ativamente para a entrada definitiva da Humanidade em uma Nova Era.
* N.A.: Trabalhador do Grupo de Assistência Espiritual Eurípedes Barsanulfo (GAEEB) – Taguatinga (DF).
REFERÊNCIAS:
¹ KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 12. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. q. 1019.
² LE GOFF, Jacques. São Luís: biografia. Trad. Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Record, 2002.
³ MAIOR, Marcel Souto. Kardec: a biografia. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2013. 3a pt., p. 179.
⁴ KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 2, n. 4, abr. 1859. Aviso. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. Brasília, DF: FEB, 2024.
⁵ KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 1. ed. 2. imp. (Edição Histórica Bilíngue). Brasília, DF: FEB, 2014.
⁶ KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 12. imp. Brasília, DF: FEB, 2022.
⁷ KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 12. imp. Brasília, DF: FEB, 2022.
⁸ KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 2, n. 12, dez. 1859. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. Brasília, DF: FEB, 2024.
⁹ KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 4, n. 2, fev. 1861. Boletim da Sociedade de Estudos Espíritas, it. Relatórios diversos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2019.
¹⁰ KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 9. imp. Brasília, DF: FEB, 2022.
¹¹ KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 9. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. 2a pt., cap. 8.
¹² WANTUIL, Zêus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec: o educador e o codificador. Org. Zêus Wantuil. 4. ed. Brasília, DF: FEB, 2019. 4a pt., cap. 1 – A Doutrina Espírita ou Espiritismo na obra do Codificador – o pentateuco; outros livros, it. 3. “Société Parisienne des Études Spirites”.
¹³ KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 9. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. 2a pt., cap. 24, it. 266.
¹⁴ KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 9. imp. Brasília, DF: FEB, 2022.
¹⁵ KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 5, n. 6, jun. 1862. Conversas familiares de além-túmulo (Terceira conversa – 2 de maio de 1862), perg. 12. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2019.
¹⁶ KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 9. imp. Brasília, DF: FEB, 2022.
¹⁷ XAVIER, Francisco Cândido. Ação e reação. Pelo Espírito André Luiz. 30. ed. 16. imp. Brasília, DF: FEB, 2024.
¹⁸ KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 6, n. 12, dez. 1864. Sessão comemorativa na Sociedade de Paris. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2019.
¹⁹ KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 13. imp. Brasília, DF: FEB, 2022.
²⁰ KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 3, n. 9, set. 1860. Boletim da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. Brasília, DF: FEB, 2019.
²¹ KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 3, n. 9, abr. 1860. Boletim da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. Brasília, DF: FEB, 2019.
²² KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 4, n. 11, nov. 1861. Reunião geral dos espíritas bordeleses, it. Discurso do Sr. Sabò. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2019.
²³ KARDEC, Allan. O céu e o inferno. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 4. imp. Brasília, DF: FEB, 2022.
²⁴ KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 8, n. 3, mar. 1866. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. Brasília, DF: FEB, 2022.
²⁵ KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 10, n. 2, fev. 1868. Apreciação da obra A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 3. ed. 1. imp. Brasília, DF: FEB, 2019.
²⁶ KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 12. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. q. 111.